sexta-feira, 17 de junho de 2011

Pedro Coutinho, mestre da navalha ao barbeador

Pedro Coutinho trabalha seis dias por semana, de segunda à tarde até a noitinha de sábado. Morador da rua Dr. Gabriel dos Santos, em Higienópolis, ele dá expediente no número 1408 da avenida Angélica, quase esquina com a rua Piauí e a uma quadra do Parque Buenos Aires. É ali, no andar térreo de um prédio residencial, que funciona o Salão Ideal, uma charmosa barbearia. Não é raro que Pedro saia pela rua com uma bolsinha a tiracolo contendo os apetrechos necessários para cortar cabelos e fazer barbas a domicílio. Este tipo de serviço costuma ser solicitado pelos clientes que não têm mais condições de sair de casa por estarem muito velhinhos ou doentes.

O leitor mais impaciente deve estar se perguntando o que há de relevante nesta história, afinal. Ela, de fato, não chama muito a atenção, não enquanto não vem à tona um pequeno detalhe: seu Pedro, como ele é conhecido no bairro, tem 96 anos de idade. 

Pedro Coutinho, 96 anos de idade e 76 de profissão, 56 dos quais no Salão Ideal, que fica no bairro de Higienópolis







Nascido em uma família de lavradores de café em São José do Rio Preto, interior de São Paulo, Pedro aprendeu o ofício de barbeiro observando os profissionais mais experientes da sua cidade, e aos 20 anos começou a trabalhar na área. "Naquela época era assim que se aprendia. Hoje em dia tem escolas, essa coisa toda", conta ele. Em busca de mais oportunidades, Pedro veio para São Paulo em 1955, aos 40 anos de idade. O seu primeiro e único emprego desde então foi o Salão Ideal - cuja fundação na década de 30 e longevidade até os dias de hoje é outra belíssima história.

Inauguração do Salão Ideal (ou, como o nome era grafado na época, Idheal) no seu atual endereço, em 1938. Terceiro da esquerda pra direita, o português Eduardo Ferreira Aparício começou o negócio em 1930 junto com a mulher, a austríaca Stephanie Piscovsky (que aparece na foto ao lado dele, de vestido branco e listrado). Eduardo chegou ao Brasil em 1921, aos 14 anos, e um ano depois já aprendia o ofício. Os equipamentos do salão eram todos importados da Europa, e o padrão de atendimento, sempre altíssimo. Havia uma espécie de divisória para demarcar o espaço das "damas" daquele dos "cavalheiros". Entre os clientes famosos estavam o poeta Mario de Andrade, o pintor Di Cavalcanti, os políticos Armando de Salles Oliveira, Eusébio Mattoso (que solicitou atendimento a domicílio no dia em que inaugurou o autódromo de Interlagos, em 1940) e Plínio Salgado, o publisher Júlio de Mesquita Filho (junto com seu filho Ruy Mesquita, então uma criança), o cafeicultor João Mellão, a pianista Guiomar Novais e a dama da sociedade Filomena Suplicy. Hoje, o negócio está nas mãos de três sócios: seu Pedro, o também barbeiro Carlos Roberto Oliveira e a dona do imóvel (que não mora em São Paulo e não interfere no negócio, contando apenas com uma participação nos lucros)

Casado desde 1947, seu Pedro tem três filhos, sendo dois homens e uma mulher. Ela mora em Portugal com o marido, que é natural do país. Já os filhos homens estão no Paraná, sendo um em Curitiba e o outro em Londrina. Com metade ou um terço da idade de seu Pedro, os colegas de trabalho no salão o entregam na hora, contando, aos risos, que ele é comilão. Seu Pedro traz de casa todos os dias a socada e bem-fornida marmita do almoço, e ainda aproveita para beliscar bananas e chocolates ao longo do dia.

Quando ainda não existia a hoje consagrada maquininha, era com este instrumento que seu Pedro cortava cabelos

O segredo de tanta vitalidade? Para o sempre risonho Pedro, é o próprio trabalho. "Se você largar o seu carro na garagem e ficar 15 ou 20 dias sem usá-lo, ele não vai pegar bem, não é? Vai começar a dar problemas", compara. E neste momento a conversa é interrompida pela chegada de um senhor de bastante idade (mas muito provavelmente mais jovem do que seu Pedro). Ajudado por um acompanhante, o cliente saiu de casa apenas para fazer a barba e o cabelo com seu Pedro. Com imensa dificuldade e usando um par de sandálias crocs coloridas, o velhinho caminha se segurando o quanto pode no jovem empregado ao seu lado, dando um passinho de cada vez. Na hora de subir o pequeno degrau da entrada do salão, seu Pedro lhe oferece a mão. E, com delicada firmeza, o ajuda.

Agradecimento: Teodoro Eggers Neto, por me indicar este fantástico personagem

Foto do salão em 1938: acervo Salão Ideal

Sexo feminino ou masculino? Nenhum dos dois


Norrie May-Welby, um escocês de 48 anos radicado na Austrália, tornou-se a primeira pessoa de que se tem notícia a ser declarada como não sendo nem homem nem mulher. Ele nasceu menino, passou a tomar hormônios femininos aos 23 anos e fez uma cirurgia para mudar de sexo, mas não se sentiu confortável depois das transformações todas e hoje se vê como uma pessoa sem gênero, simplesmente.

O governo do estado australiano de New South Wales, onde Norrie vivia, recorreu do primeiro registro que ele havia conseguido, com o argumento de que este não poderia conter nenhuma outra opção além de sexo masculino e sexo feminino. O escocês apelou então à Comissão Australiana de Direitos Humanos, que lhe deu vitória e validou o registro.

Faltam estatísticas sobre esta questão, mas especialistas afirmam que o número de pessoas que não se enxergam em nenhum dos sexos vem crescendo - apesar de ainda ser pequeno. Há desde indivíduos que fazem a cirurgia de mudança de sexo mas não conseguem se libertar totalmente das experiências que viveram quando pertenciam ao outro gênero até pessoas que vêem a sua identidade de gênero como fluida. "Para alguns, isso acaba se tornando até uma forma de protesto, visto que o gênero é um princípio organizador muito forte na nossa sociedade", acredita Walter Bockting, professor associado e psicólogo clínico na University of Minnesota Medical School e estudioso da transexualidade desde 1986. "O gênero se desenvolve no plano biológico e, em paralelo, também no psicológico. Você não consegue detectar a que gênero pertence uma pessoa baseando-se apenas em evidências físicas, não sempre. Você precisa perguntar a algumas pessoas com qual gênero elas se identificam. Nesse sentido, estamos diante da porção psicológica do gênero", explica ele.

O escocês Norrie May-Welby, gênero indefinido
Em entrevista à revista Veja em janeiro deste ano, a transexual Lea T., nascida Leandro, disse: "Mesmo com a cirurgia, eu nunca vou ser mulher. E também não serei homem. Eu vou ser sempre o do meio". Filha do ex-jogador de futebol Toninho Cerezo, a modelo Lea tem 30 anos e faz tratamentos hormonais há cinco. Ela passou também por psicoterapia. Se a Justiça de Milão, onde vive, concordar, ela passará em março deste ano pela cirurgia de mudança de sexo e terá todos os seus documentos modificados. Lea se sente mulher desde criança. Andava nas pontas dos pés e pendurava camisetas na cabeça nas brincadeiras, para sentir que tinha "cabelão".

Até mesmo o quadrinista Laerte Coutinho foi recentemente alvo de imensa curiosidade e de várias reportagens por estar se vestindo de mulher (http://moda.ig.com.br/modanomundo/ser+mulher+e+muito+caro/n1237812404702.html), com direito a pintar as unhas dos pés de vermelho. Ele não é gay, não toma hormônios e não pensa em fazer qualquer tipo de intervenção cirúrgica. Laerte entrou para o grupo dos chamados crossdressers; apenas quis "borrar" um pouco as fronteiras entre o masculino e o feminino.

Mesmo estes casos, por assim dizer, mais "normais" de incongruência de gênero desafiam preconceitos ainda bastante arraigados na sociedade. "É absolutamente impossível que seis bilhões de pessoas possam ser divididas em dois grupos", sentencia Jack Drescher, da American Psychiatric Association (APA). Todas estas histórias mostram que precisamos, no mínimo, repensar os nossos conceitos sobre gênero.

Foto: W. Peeters / Sydney Morning Herald

terça-feira, 26 de abril de 2011

Cresce a procura de brasileiros pelo MBA no exterior

O número de brasileiros em busca de um MBA no exterior está crescendo. "A ordem de grandeza mudou. Há dez anos tínhamos cerca de 400 profissionais saindo do Brasil para isso a cada ano. Hoje já são entre 600 e 700", afirma Claudia Gonçalves, psicóloga e coach de carreira que há 16 anos orienta candidatos a um MBA fora do país. Parte significativa destes profissionais está entre os 8.876 brasileiros que embarca­ram para os Estados Unidos no ano passado em busca de educação, de acordo com um levantamento do Institute of Interna­tional Education feito em parceria com o governo americano.
            
 Vale e Itaú patrocinam evento do MBA de Booth: o Brasil está com tudo 
São várias as razões por trás do fenômeno, e a primeira delas tem a ver com a pujança econômica que tanto o Brasil quanto as suas empresas vêm demonstrando. "Nós definitivamente entramos no cenário internacional. Grandes grupos brasileiros, como a Gerdau e a Ambev, por exemplo, estão comprando empresas no exterior. É natural que elas procurem profissionais que entendam o nosso mercado, mas também transitem lá fora", explica a consultora. Faz coro Derrick Bolton, reitor-assistente da Universidade de Stanford e diretor de admissão do MBA da escola: "Com a crescente proeminência do Brasil na economia global, estamos vivenciando um aumento na demanda pelo MBA por parte de profissionais brasileiros. Além disso, o leque de candidatos está mais forte, o que se traduz em mais estudantes brasileiros a cada ano, o que muito nos entusiasma".
            
Também é verdade que ficou mais fácil criar coragem para fazer esse grande (em todos os sentidos) investimento na própria carreira. O câmbio hoje é francamente favorável às despesas em moedas fortes. Por último, a falta de mão-de-obra altamente qualificada em alguns setores específicos da economia brasileira também estimula os profissionais do país a buscar no MBA fora não só um diferencial na formação, mas a riquíssima experiência pessoal proporcionada por uma experiência internacional.


E não são apenas os estudantes do Brasil que estão ganhando presença nos MBAs americanos e, em menor escala, nos europeus e asiáticos. As próprias empresas brasileiras estão estabelecendo cada vez mais parcerias com escolas no exterior. No caso de Booth, a renomada escola de negócios da University of Chicago, a Vale e o Itaú estiveram entre os principais patrocinadores de uma conferência de negócios latino-americanos realizada no ano passado - e vão repetir a dose este ano (como mostra a imagem acima). A instituição possui também uma parceria com a Escola de Administração de Empresas de São Paulo da Fundação Getúlio Vargas (EAESP-FGV). Algumas escolas estrangeiras, como a University of California, Los Angeles (UCLA) e a University of Pittsburgh, por exemplo, foram além e decidiram abrir franquias dos seus MBAs por aqui.

Aprovados têm boa formação, currículo de respeito e se prepararam bastante

Maurício Teramoto, de 31 anos, é publicitário formado pela Escola Superior de Propaganda e Marketing (ESPM), trabalha no hoje Itaú Unibanco desde 2002 e foi cursar o seu MBA em Kellogg, a escola de negócios da University of Northwestern, em Chicago, Estados Unidos. Com patrocínio quase total do banco, ele está em Chicago desde setembro do ano passado e levou consigo a mulher e os três filhos, dois gêmeos de 17 anos e uma menina de seis. Já os namorados Adriana Lima, administradora de 28 anos formada pela FGV-SP, e Leonardo Oliveira, engenheiro de 30 formado pela Faculdade de Engenharia Industrial (FEI), trabalhavam na Johnson & Johnson. Eles vão começar neste ano um sonhado MBA em Wharton, na University of Pennsylvania, que fica na Filadélfia. Faz parte dos planos dela retomar a carreira na mesma empresa, mas em uma posição hierarquicamente mais alta. Já Leonardo sonha com um negócio próprio, empreendedorismo que também pulsa forte nas veias do economista Chim Kan, de 29 anos. Ao contrário dos outros três profissionais citados acima, Chim escolheu um MBA no Canadá. O curso de um ano de duração da Richard Ivey School of Business, da 
University of Western Ontario, tem como foco unir a tecnologia aos negócios. Formado pela Faculdade de Economia, Administração e Contabilidade da Universidade de São Paulo (FEA-USP) e com passagem por empresas como Buscapé e Google, ele já está de volta ao Brasil e conseguiu realizar o seu sonho de não ser mais empregado: está tocando com dois colegas uma empresa start-up na área de tecnologia, com direito a aporte financeiro do poderoso fundo de investimentos de risco Monashees Capital.

"Patrocinado" pelo Itaú, Maurício Teramoto está em Kellogg desde o ano passado. Ele levou a mulher e os três filhos




À primeira vista, os jovens do parágrafo acima e que ilustram esta reportagem têm mais diferenças do que semelhanças entre si. Mas eles compartilham alguns importantes pontos em comum: cursaram a graduação em escolas de primeira linha, já dominavam o inglês, trabalharam e tiveram destaque em grandes empresas e, principalmente, se prepararam muito bem para disputar uma vaga em um MBA fora do Brasil.

Adriana, por exemplo, assistiu junto com o namorado Leonardo a uma palestra de uma grande escola americana sobre o seu MBA. Encerrada a apresentação, os dois, que já vinham há tempos flertando com a idéia de uma experiência internacional, correram para a livraria para comprar os materiais de preparação. Já na fila do caixa, viram-se obrigados a puxar o freio de mão. "A gente se sentou em um canto e conversamos por duas horas. É uma decisão de vida, que implica largar o emprego, mudar de país, gastar muito dinheiro e, no nosso caso, morar juntos", conta a administradora. Só depois de feita esta reflexão eles decidiram pagar pelos livros e começar a preparação, que durou um ano e meio no total. "Ou você vai preparado direito ou não vai", sentencia ela.

O casal embarca em maio para o MBA de Wharton, um dos quatro em que foram aprovados
À disposição para o estudo deve se somar, no entanto, uma boa dose de realismo. "Muitas pessoas têm esta ilusão de que vão voltar como CEO da empresa após sair do curso. Ter MBA é sem dúvida um diferencial, mas não é algo obrigatório. Quem é analista e for fazer o curso não vai virar gerente assim tão fácil quando voltar. As pessoas que voltam e assumem de cara posições em cargos mais altos já tinham um razoável sucesso profissional e financeiro", acredita Chim Kan. 

Chama atenção também o fato de a grande maioria dos profissionais brasileiros em busca do MBA no exterior querer voltar para o país ao fim do curso. O crescimento econômico e de oportunidades no Brasil tem sido mais atraente do que a possibilidade de se expatriar. Pesquisa feita em 2009 pela consultoria GNext Talent Search com alunos do último ano de 12 dos 25 programas de MBA mais bem avaliados pelo jornal Financial Times revela que 82% dos alunos brasileiros retornariam ao país naquele ano. Em 75% dos casos, o motivo era bem simples: as melhores oportunidades estavam aqui.

Candidatos fora do perfil têm chance?

A idade passou a ser nos últimos anos uma preocupação a mais entre os profissionais que sonham com um MBA fora mas estão chegando aos 30 anos de idade ou já passaram dessa marca. Isso porque os recém-saídos da graduação e ainda no seu primeiro emprego vêm dominando as turmas de MBA - principalmente nos Estados Unidos. "Assustou muito a gente isso. A cada ano que passa a idade parece estar caindo. Em Wharton, 80% dos alunos têm até 26 anos", conta Adriana Lima, recém-aprovada no curso aos 28 juntamente com o namorado, de 30. Mas Harvard, Wharton, Stanford, Booth e Columbia, que estão entre as dez melhores nos rankings de MBAs em período integral das revistas Forbes e Business Week e do jornal Financial Times, fazem questão de afirmar que a idade - seja ela "avançada" ou precoce - não é de forma alguma critério eliminatório na admissão, sendo apenas um entre os vários dados que compõem o perfil de um candidato. Mas, para Ricardo Betti, da MBA Empresarial, a coisa não é bem assim. "Quando um profissional com 35 anos ou mais me procura, eu já digo na lata que ele não vai ser aprovado, e que existem alternativas, como outros cursos de MBA específicos para esta faixa etária e de carreira. As escolas não falam, mas existe sim um limite, que é de 32 ou 33 anos", avisa. Médico de formação, Ricardo cursou o MBA do Massachusetts Institute of Technology (MIT) e já ajudou mais de 1.200 profissionais brasileiros a realizarem o sonho de um bom MBA no exterior.

Segundo Ricardo, a média de idade dos alunos de MBA hoje em dia está em torno de 28 anos. A diminuição deste número em comparação ao cenário de dez ou quinze anos atrás pode ser explicada pela prevalência de jovens vindos do mercado financeiro e das grandes consultorias. "Nesse tipo de corporação, as carreiras já são estruturadas para serem rápidas. Então, aos 24 ou 25 anos, quando estão mais ou menos no segundo ano de casa, os profissionais já começam a ir atrás do MBA", explica a consultora Claudia Gonçalves.

De qualquer forma, mesmo para os candidatos mais jovens a competição por uma vaga nas escolas estrangeiras de ponta é muito grande, e tende a não favorecer profissionais que cursaram a graduação em escolas mais fracas ou cuja experiência profissional tenha sido em empresas de médio porte ou familiares. Mas nem tudo está perdido. "Tudo depende do mix de características da pessoa. É preciso mostrar os seus pontos fortes. No fundo, o que as escolas buscam são pessoas que conseguem demonstrar ter feito o melhor dentro das oportunidades que a vida trouxe. É um princípio da meritocracia", afirma Claudia. Concorda o consultor Ricardo Betti: "Às vezes o candidato se forma em uma ótima escola e trabalha em grandes empresas, mas não tira o melhor dessas experiências. Quando a carreira fica na horizontal, quando não há conquistas relevantes na história do candidato, fica difícil conseguir a aprovação", afirma.

Notas excepcionalmente altas no Graduate Management Admission Test (GMAT), o exame obrigatório, carreiras feitas em setores diferentes dos da maioria dos profissionais, experiências em voluntariado e ação relevante na comunidade podem compensar a falta de uma formação de primeira linha ou de experiência em empresas conhecidas dos recrutadores. Já o profissional com perfil diferente do da maioria e sem maiores diferenciais deve refletir se vale a pena mesmo encarar a batalha por um MBA nas melhores universidades americanas e européias. "Se este candidato acabar entrando em uma escola do segundo escalão lá fora, corre o risco de voltar para o Brasil depois e não ser reconhecido como gostaria, e isso depois de ter largado o emprego e ter se endividado", alerta Yann Duzert, coordenador do pré-doutorado e do MBA Global da Fundação Getúlio Vargas do Rio de Janeiro (FGV-RJ). É melhor, portanto, fazer um MBA de primeira linha no Brasil do que um não tão bom no exterior. "Existem hoje no Brasil soluções híbridas bastante interessantes, que conseguem conjugar a estabilidade profissional no próprio país com um gosto de experiência internacional, seja por meio do networking feito com os estrangeiros que estudam aqui, seja por meio de períodos mais curtos no exterior", completa ele.

Por último, é preciso reforçar que, dentre todos os pontos do currículo, das habilidades e da trajetória profissional de um candidato, o único quesito inegociável é a fluência no inglês. As escolas costumam exigir de 90 a 95% de aproveitamento no Test of English as a Foreign Language (TOEFL), e não raro se preocupam ainda mais com ele do que com o GMAT. Afinal de contas, como assistir às aulas, discutir estudos de caso em grupo e fazer papers em inglês sem ter um conhecimento bastante avançado da língua?

O GMAT e as redações 

Chim Kan, que já voltou ao Brasil, fez curso preparatório à distância para o GMAT
No caminho entre o profissional brasileiro em busca do MBA no exterior e a aprovação está uma pedreira chamada GMAT. A famosa prova mede tanto as aptidões lógicas dos alunos quanto as suas habilidades verbais (em inglês, naturalmente). As universidades não trabalham com uma nota de corte oficial, mas é altamente improvável que um candidato seja aceito em uma escola de ponta se não conseguir ficar na média tradicionalmente atingida pelos seus alunos. A turma de 2012 do MBA de Harvard, por exemplo, teve pontuação média de 730 (em uma escala que vai de 200 a 800), sendo a nota mais baixa 550 e a mais alta 790. Não é possível encarar a prova sem ter inglês no mínimo avançado.


É possível fazer cursos preparatórios para o GMAT, tanto em versão presencial quanto à distância - ou mesmo estudar por conta própria, caso o aluno assim prefira. O tempo de preparação costuma levar entre nove meses e um ano e meio. A dificuldade, segundos os entrevistados que fizeram o teste, está menos na prova em si do que na relativa novidade que ela representa. Com questões diferentes das encaradas pelos brasileiros ao longo das suas vidas escolares, ela só encontra paralelo em vestibulares mais analíticos e em seleções de bancos de investimento e consultorias. O conhecimento de fórmulas matemáticas e de leis da geometria, por exemplo, é necessário, mas menos importante do que o raciocínio lógico. Exemplos de questões do GMAT podem ser encontrados pela internet afora, em sites como o http://www.testprepreview.com/gmat_practice.htm e o http://www.gmath.com.br/method.html.  

O exame pode ser feito quantas vezes o candidato julgar necessárias até que se sinta satisfeito com a sua nota. Para citar como exemplos os personagens desta reportagem, Chim Kan fez a prova duas vezes e, Adriana Lima, cinco. O publicitário Maurício Teramoto é exceção: "passou" de primeira após apenas dois meses de estudo intensivo. "A preparação para o GMAT é um exercício de repetição: fazer simulados e entender os macetes, a estratégia e o gerenciamento do tempo. Não há nada fora do comum em termos de conteúdo. Se você souber inglês e a matemática da oitava série, você faz", garante ele.

Para Marcelo Ambrozio Ramos, sócio da MBA House, escola preparatória e consultoria sobre MBAs, fazer um bom GMAT é essencial para quem deseja entrar em uma escola de ponta, mas não é tudo. "O GMAT não coloca [o candidato na universidade], mas tira", sentencia. Ele recomenda, inclusive, que o profissional comece a se or­ganizar para estudar no exte­rior ainda durante a graduação, e não pense apenas no GMAT. "Dominar um terceiro idioma e ter projetos desenvolvidos no terceiro setor e viagens culturais na bagagem são quesitos avaliados pelas escolas", explica ele.

Sede de São Paulo da MBA House, que prepara para o GMAT, presta consultoria aos candidatos e ajuda na papelada



Os candidatos também costumam ter bastante dificuldade com os essays, espécies de redações onde os alunos devem explicar, entre outras coisas, quem são, o que fizeram e fazem de marcante em suas carreiras, porque querem estudar naquela escola, como podem contribuir com as atividades dela e o que vislumbram para o futuro. Estas reflexões costumam ser novidade para os profissionais brasileiros, que, ao contrário dos seus congêneres americanos, não precisaram pensar a fundo (muito menos escrever) sobre as suas vidas, sua história e seus planos já na época do vestibular. Uma das funções dos consultores de carreira que lidam com candidatos a MBAs fora é justamente ajudar a identificar eventuais inconsistências nos planos dos profissionais - como, por exemplo, pretender para os 40 anos de idade ter filhos e abrir o próprio negócio, tudo ao mesmo tempo. "O segredo é você ser consistente. E, se você não pensa no seu passado, no seu presente e no seu futuro, você não fica consistente", diz Adriana Lima, que embarca para o MBA da prestigiada Wharton no começo de maio.
 
As escolas também buscam conhecer os aspectos dos candidatos que nada têm a ver com trabalho e estudo. "Elas fazem perguntas sobre trabalho voluntário, esportes, hobbies, interesses. Muitos candidatos brasileiros levam um susto nessa hora, pois percebem que, quando não estão trabalhando, estão no trânsito", alerta a consultora Claudia Gonçalves.


Financiamento é mais fácil nos Estados Unidos

Os custos envolvidos na decisão de cursar um MBA fora do Brasil são significativos, e começam ainda na fase de estudo. Para fazer o TOEFL paga-se entre 150 e 225 dólares. A inscrição para cada tentativa no exame GMAT, por sua vez, custa 250 dólares. O curso preparatório à distância para GMAT feito pelo economista Chim Kan, por exemplo, saiu por quatro mil dólares. As inscrições para disputar uma vaga nas universidades custam entre 100 e 200 dólares, mas os alunos sempre se candidatam em mais de uma escola. Muitos profissionais, aliás, gostam de fazer uma visita às universidades antes de decidir em quais delas vão se inscrever. "Todas as escolas que estão entre as vinte melhores do mundo oferecem uma ótima educação. O que acaba fazendo uma pessoa optar por uma ou por outra é a identificação com a cultura, o dia-a-dia da universidade", diz Maurício Teramoto, aluno em Kellogg, explicando porque considera importante a visita. Por último, existem ainda as despesas com materiais didáticos para a preparação e o envio de documentos para o exterior via sedex, na fase de inscrição.

Uma vez aprovado, o aluno terá pela frente os custos do MBA em si (sempre acima dos cem mil dólares, quando o curso é de dois anos) e de moradia, transporte, alimentação e material didático. As despesas com aluguel podem ir de 800 dólares (no caso de um pequeno studio, por exemplo) a 2.500 ou três mil dólares (para um apartamento de três quartos, próprio para os estudantes que levam a família). "O investimento que fiz na época foi equivalente a um apartamento na Vila Mariana", contabiliza Chim Kan. "O MBA no exterior não é algo que você consegue fazer por impulso. No meu caso, a idéia existia desde a época da faculdade. Então, comecei a juntar dinheiro assim que deu", diz ele, que contou também com a ajuda da família. Como a universidade canadense em que cursou o seu MBA exigia um fiador local para conceder empréstimos a alunos estrangeiros, fazer um financiamento não era uma opção. Nas escolas européias, cláusulas legais dificultam enormemente a obtenção de crédito por parte de estudantes não-residentes na União Européia. Empecilhos assim, porém, não costumam acontecer nas universidades americanas, que possuem parcerias com grandes bancos e se empenham bastante em ajudar os alunos a conseguir financiamento total, que pode ser quitado em até 20 anos. O site do MBA da University of Columbia, por exemplo, tem uma sessão só sobre empréstimos, onde está escrita a seguinte frase: "A última coisa que desejamos é que você se distraia dos seus estudos ou do prazer com o programa por causa de preocupações financeiras".

Bolsas de estudo

O financiamento torna o MBA acessível aos não-ricos
Profissionais em busca de um MBA no exterior   podem também pleitear financiamento no Brasil.
 

Fundação Estudar
Financia cursos de MBA baseando-se nos rankings das melhores faculdades e universidades estrangeiras realizados pela US News e pelo Global MBA Ranking (do jornal Financial Times). As inscrições começam em janeiro de cada ano e ficam abertas até de março. O processo seletivo é composto por oito etapas, e os valores da bolsa variam entre cinco e 95% do valor solicitado pelo candidato. A taxa (opcional) de inscrição para participar do processo seletivo é de R$ 100. A devolução do valor recebido não segue qualquer contrato, e é regida apenas pela obrigação moral dos candidatos em retribuir à fundação quando e da maneira que puderem - seja sob a forma de dinheiro, seja sob a forma de trabalho.
Site: http://www.estudar.org.br


Instituto Ling
O projeto START concede bolsas de estudos parciais para cursos de MBA em tempo integral nos Estados Unidos e na Europa. O pedido de financiamento só pode ser feito por candidatos já aprovados nas escolas, e que comprovem não ter como bancar os custos do curso. Depois de enviada toda a documentação, o instituto faz uma primeira seleção, realiza uma entrevista por telefone com o candidato e, por último, o convoca para uma dinâmica de grupo.
Telefone: (51) 3287-6304 / 6306


Diferença entre os cursos na Europa e nos Estados Unidos

Consultores especializados em MBA no exterior afirmam haver pelo menos 15 ou 20 escolas nos Estados Unidos que podem ser classificadas como de ponta. Na Europa, por sua vez, elas são cinco ou seis (como a London Business School, o francês Insead, o espanhol IESE Business School e o suíço IMD). Mas a presença de profissionais brasileiros nos centros de estudo em negócios do velho continente está crescendo. "Há 21 anos, quando eu comecei a trabalhar com MBA no exterior, 95% dos alunos iam para escolas americanas, e apenas 5% para instituições européias. Hoje, está proporção está em 75% e 25%", afirma o consultor Ricardo Betti. 

A maior massa crítica em termos de conhecimento no ramo dos negócios está, naturalmente, nos Estados Unidos, país onde foi inventado o curso de MBA. Mas a internacionalização é maior nas escolas européias. Lá, a esmagadora maioria dos alunos é estrangeira. Não são raras as turmas em que, dentre os mais de 60 alunos, apenas duas pessoas sejam do país que sedia o curso.

Rotina é puxada, mas traz também atividades fora do estudo

Curso extensivo e intensivo ao mesmo tempo, o MBA impõe aos seus alunos uma rotina de estudo bastante puxada. Durante o seu ano na Richard Ivey School of Business, Chim Kan resolveu quase 500 estudos de caso, que podiam ter tanto cinco quanto 30 páginas de dados cada um. Como os chamados cases formavam a espinha dorsal da metodologia de ensino da escola, os alunos resolviam três ou quatro deles por dia.
            
Já em Kellogg, por exemplo, os alunos têm aulas quatro vezes por semana, sendo que existe também a opção de concentrá-las em apenas dois dias. Para cada três horas de aula, o aluno deve reservar entre quatro e seis horas de estudo por semana. Mas sempre há espaço para as atividades extra-curriculares, como os chamados clubs, grupos de interesse em assuntos tão variados  quanto a cultura latino-americana  e o vôlei, passando pelo mercado de produtos de luxo, por exemplo. Maurício Teramoto, aluno de Kellogg, joga futebol pela escola e já participou inclusive de campeonatos do esporte entre as universidades. A escola se preocupa também com a integração dos eventuais cônjuges dos seus alunos. Eles podem fazer cursos gratuitos de inglês para estrangeiros e até assistir gratuitamente às aulas do curso de MBA nas salas que não estiverem lotadas.
           
"Para mim e para a minha família esta é uma experiência única. Ampliamos muito os nossos horizontes aqui, temos a oportunidade de conhecer diversas culturas, construir amizades com pessoas do mundo inteiro e amadurecer muito", diz Maurício. O publicitário está bastante satisfeito com a decisão de suspender temporariamente o trabalho e carregar a família toda para os Estados Unidos. "Fazer o MBA em faculdades mundialmente reconhecidas expõe o aluno a uma troca riquíssima com professores renomados, ganhadores de prêmio Nobel inclusive. E, mais do que isso, coloca você em contato com pessoas altamente competentes e muito bem-sucedidas do mundo inteiro, com backgrounds distintos. Isto enriquece muito a experiência acadêmica e pode render inúmeros frutos no futuro. Além disso, o fato de o curso ser integral proporciona uma troca muito mais intensa e uma experiência extra-curricular tão rica quanto a acadêmica em si. Eu, por exemplo, já participei de projetos de consultoria para ONGs daqui", conta. Os filhos mais velhos dele estão tão adaptados que não pensam em voltar para o Brasil tão cedo. A idéia dos garotos é cursar a universidade nos Estados Unidos.

Colaborou Raquel Bocato

Fotos: Chicago Booth, Acervo pessoal, Carlos Cecconello / Folhapress, Acervo pessoal, MBA House e Tooga (Getty Images)

quarta-feira, 23 de março de 2011

Entrevista com Alessandro Barbosa Lima (presidente da E.Life, de inteligência de mercado em redes sociais)

Alessandro comanda a E.Life
Na América Latina e em Portugal é a brasileira E.Life quem responde pelo título de líder em inteligência de mercado e gestão de relacionamento com o cliente através das redes sociais. Em seus curtos cinco anos de vida, a empresa realizou mais de 150 projetos para os seus clientes - grandes empresas de praticamente todos os setores da economia. Atualmente são cerca de 50 as marcas que confiam nos relatórios da E.Life para alimentar as suas estratégias de marketing, comunicação e relacionamento com o cliente. 

O objetivo da empresa ao ser fundada era fornecer inteligência de mercado a partir de análises feitas nas redes sociais, e só. Mas não demorou muito para que fosse criado um departamento especializado apenas em atendimento ao cliente (SAC). "A chegada e a ascensão do Twitter, principalmente, fizeram com que aumentassem bastante as demandas por parte do consumidor. As pessoas começaram a perceber que as empresas já estão ativas nas redes sociais, então passaram a esperar alguma forma de atendimento por parte delas nestes novos meios", diz Alessandro Barbosa Lima, presidente da E.Life. Confira a seguir entrevista exclusiva com ele.

Se você tivesse que explicar o negócio da E.Life através de um case interessante, qual seria ele?
Acho que ele seria o que nós batizamos de Case Whiskas, um aplicativo de SAC 2.0 no Orkut para a Whiskas, líder do segmento de cat food no Brasil e no mundo. O “Fale com Whiskas” é um canal personalizado onde o internauta pode se comunicar diretamente com a empresa enviando dúvidas, sugestões, elogios e reclamações de uma forma muito mais ágil. O atendimento é feito por uma equipe de analistas da E.Life. Esta foi a primeira plataforma de gestão de relacionamento lançada para o Orkut no Brasil e está integrada ao software BuzzMonitor, também desenvolvido pela E.Life, e que monitora as redes sociais, analisa os dados e gera relatórios. Para instalar o software e postar uma mensagem basta estar conectado no Orkut, digitar “Fale com Whiskas” na busca da página de aplicativos do site e adicionar o novo canal. O analista da E.Life recebe a mensagem, analisa junto com a empresa o que deve ser informado e responde ao internauta de forma pública ou privada. As perguntas e respostas mais freqüentes são postadas na página do aplicativo, de forma pública.

Qual a principal vantagem para a empresa que investe nesse tipo de atendimento?
Os comentários recebidos podem ajudar a empresa a tomar decisões referentes às estratégias de negócios, novos produtos e ações de marketing, por exemplo. Ou seja: esses insights são informações essenciais que podem ser utilizadas por todas as áreas. Um outro exemplo bom foi quando ajudamos a Intimus Gel a detectar problemas de distribuição através de tweets e postagens em blogs de consumidoras que se queixavam por não estar encontrando determinados produtos. Uma analista do SAC da empresa descobria as mensagens, entrava em contato com as meninas, encaminhava os problemas à empresa e mandava amostras de produtos para as consumidoras, junto com as dicas de onde encontrar os absorventes desejados.

Ou seja: em uma só tacada a empresa atende o cliente antes mesmo de ele procurá-la, resolve o seu problema, age no sentido de fidelizar este cliente a partir do momento em que lhe envia amostras grátis de produtos, obtém propaganda gratuita com os posts e tweets subseqüentes e ainda detecta problemas na sua estratégia de negócios.
Exatamente!

Podemos esperar uma migração entre os clientes dos meios de atendimento tradicionais para estes novos?
Sim. O SAC feito via redes sociais tende a diminuir o fluxo de atendimento em meios mais tradicionais como o telefone e mesmo o e-mail. Inclusive porque não param de crescer o número de internautas no país, o número de usuários das redes sociais e também o número de usuários das redes que as acessam através de dispositivos que não o computador de mesa. Este último fator é acompanhado com especial atenção pela E.Life e pelas empresas que já possuem participação ativa nas redes sociais. Afinal de contas, uma coisa é chegar em casa e postar um desabafo sobre uma experiência de compra ruim no Facebook ou em um blog do tipo Reclame Aqui, que exigem um aprofundamento da experiência do internauta, uma elaboração mais calma do que ele acabou de vivenciar. Outra totalmente diferente é ir ao banco e twittar: "Na fila há cem anos, que maravilha!". Neste caso temos desabafos mais fortes e percepções mais imediatas.

É possível costurar uma maior integração entre os diferentes meios de atendimento ao cliente?
Sim. Uma tendência evidente é a diluição das fronteiras entre o atendimento online o atendimento offline. Está em curso uma integração. Por exemplo: o consumidor vai a uma loja ou um banco e lá mesmo toma conhecimento dos canais de atendimento da empresa nas redes sociais. Melhor ainda: já no ponto de venda ele poderia postar uma reclamação, por exemplo - seja por meio do seu celular, que vai acessar a internet via rede existente no local, seja por meio de algum terminal. Também é uma boa idéia as empresas começarem a pedir os links dos perfis dos seus clientes nas redes sociais ao efetuar um cadastro, por exemplo.

Qual a principal diferença entre o atendimento ao cliente feito nos canais tradicionais e aquele feito através das redes sociais?
O atendimento ao cliente feito através de redes sociais é mais personalizado, até porque este canal é utilizado por muito menos gente do que um SAC telefônico, por exemplo. Este atendimento pode ser dividido, grosso modo, em dois tipos: aquele em que a empresa responde a pessoas que a procuram e aquele em que a empresa monitora a demanda das pessoas e os problemas dos quais elas reclamam. A rede O Boticário, por exemplo, começou a monitorar as redes sociais já em 2006, para ver o que as pessoas estavam falando a respeito da sua marca. A empresa procurava, no entanto, responder aos clientes de forma privada, ou por e-mail, ou pedindo um endereço de e-mail ou número de telefone caso não houvesse alguma forma de contato disponível que não fosse pública.

Quais são os principais erros das empresas que se aventuram pelas redes sociais?
Um dos erros mais comuns cometidos pelas empresas é o estabelecimento de pontos de contato nas redes sociais que servem apenas como canais de promoção. Fazer isso é utilizar as redes sociais como se elas fossem os tradicionais meios de comunicação de massa e como se a comunicação aqui tivesse que obedecer aos tradicionais modelos de comunicação unidirecionais. Mas é claro que a internet não deve ser descartada na hora da propaganda: seguindo um modelo utilizado pela AT&T, o Santander, por exemplo, criou dois canais em redes sociais, um para propaganda e outro para SAC. É uma forma inteligente de fazer com que o canal utilizado por uma empresa para se promover não vire um muro das lamentações. Por causa das suas funções, cada canal acaba tendo características próprias: os canais de propaganda têm muitos seguidores (afinal, são as pessoas que os procuram), enquanto os canais de relacionamento têm poucos seguidores, mas seguem muita gente (já que eles é que precisam monitorar os problemas que as pessoas podem estar tendo com as suas marcas e os seus produtos).

As empresas têm medo das redes sociais?
As empresas ainda têm bastante receio de entrar nas redes sociais, especialmente em caso de crises ou de comentários negativos mais fortes ou repetidos. O conselho que damos para os nossos clientes é que, nas redes sociais, a reputação de uma empresa não é determinada por um ou dois comentários negativos, nem mesmo por vários deles. A reputação vem de como a empresa age em relação ao fluxo de informações. Comentários negativos não são uma tragédia. Além disso, é preciso sempre relembrar a máxima de que a empresa ou a marca estarão nas redes sociais, queiram os seus executivos ou não. Alguns vão falar mal da empresa simplesmente porque não gostam dela, pois são Corinthians e a empresa é Palmeiras. Outros vão falar mal porque tiveram algum problema concreto ou experiência desagradável. O que se pode fazer é monitorar este processo e se antecipar às demandas, queixas e problemas do consumidor.


Com a internet em geral e as redes sociais em particular, certamente haverá transformações não só no atendimento ao cliente, mas dentro das próprias empresas...
Sim. Está sendo descortinado todo um novo horizonte para a comunicação corporativa, horizonte este que representa uma grande mudança na forma como as empresas podem se relacionar com o consumidor e a comunidade. Hoje podemos jogar no lixo uma boa parte dos conceitos de comunicação e governança corporativas. Aquela idéia de que a empresa deve ter apenas um porta-voz responsável por falar com a mídia e que todos os outros funcionários devem permanecer calados e não se manifestarem nunca é praticamente obsoleta hoje. As práticas de comunicação não podem mais vir de cima pra baixo. Até a relação das empresas com os seus próprios funcionários está passando por grandes transformações. Muitas companhias hoje constroem intranets com cara de rede social. Isso não deixa de ser uma forma de transplantar para um novo meio a boa e velha caixinha de sugestões, mas as possibilidades de interação são, sem dúvida, maiores. É claro que uma intranet sob a forma de rede social não vai fazer milagre nem garantir a paz eterna de uma empresa. Mas vai decididamente ajudar a melhorar a comunicação dentro da organização e fazer com que certos problemas sejam percebidos e resolvidos antes de vazarem para o público externo. Quem não conhece um amigo que pragueja contra o seu empregador nas redes sociais?

sábado, 19 de fevereiro de 2011

Uma rede social para tempos de catástrofes climáticas e um aplicativo para tempos de violência urbana

Um grupo de trinta pessoas de nove cidades e cinco continentes criou um site (http://floodaid.com.au) cujo objetivo é reunir pessoas em torno de situações de emergência como as cheias que castigaram várias regiões da Austrália em janeiro. De um lado, quem pode oferecer um determinado tipo de ajuda (abrigo para pessoas ou animais, comida, roupas, uma forcinha na limpeza e o que mais você imaginar). Do outro, quem precisa de ajuda. Quem se interessa por alguma das ofertas postadas precisa fazer o seu login para ter acesso aos dados de contato da outra parte.

Flood Aid: útil em catástrofes como a da região serrana do Rio
Vez ou outra algum "engraçadinho" aparece oferecendo coisas como "itens indesejados que serão vendidos no eBay", mas a esmagadora maioria das mensagens é séria. Os criadores do Flood Aid já estão pensando nos aplicativos móveis que vão criar nessa mesma linha. O site pode ser útil para lidar com emergências de qualquer país, Brasil inclusive - embora todas as mensagens no ar no momento tratem das cheias australianas.



Bluelight: para comprar e não usar
Dentre todos os zilhões de aplicativos para iPhone que já foram e serão desenvolvidos, este é o único que você vai baixar rezando para nunca, jamais precisar dele. Funciona assim: você registra no Bluelight quanto tempo vai demorar para chegar a um determinado local. Em seguida, escolhe um familiar ou amigo para o aplicativo contatar caso você não chegue ao seu destino no tempo que foi estimado. 

Caso você não seja atropelado, seqüestrado, assaltado - nem sofra um desmaio, uma crise epilética ou entre em coma diabético - e chegue ao local planejado a tempo, o aplicativo registra o seu check-in (como faz o Foursquare) e tudo bem. Mas se lhe ocorrer alguma desgraça como as listadas acima, o aplicativo manda uma mensagem de texto ou um e-mail para o contato escolhido, junto com a sua última localização registrada no GPS. O aplicativo conta também com um botão que permite a ativação deste alarme de emergência a qualquer momento, e já está disponível para download gratuito na App Store.

Foto: Felipe Dana / AP

segunda-feira, 17 de janeiro de 2011

Entrevista com Carlos André Montenegro (presidente da Sack's e da Sephora Brasil)

Fundador da Sack’s (http://www.sacks.com.br), loja virtual especializada em perfumes, maquiagens e cosméticos, o carioca Carlos André Montenegro agora responde também pela presidência da Sephora no Brasil. O conglomerado de luxo LVMH, ao qual pertence a gigante francesa de cosméticos, comprou em maio do ano passado 70% da Sack's. O mercado estimou os valores da transação entre R$ 200 milhões e R$ 350 milhões, mas Carlos não comenta as cifras envolvidas.

Com 700 pontos de venda distribuídos por 13 países, a Sephora deve inaugurar a sua operação brasileira entre 16 e 22 meses - mas, para a alegria das consumidoras brasileiras, até a metade deste ano o site da Sack's já estará vendendo produtos da Sephora Collection. A LVMH calcula que haja espaço para ao menos três lojas da marca no Brasil em um primeiro momento, no Rio de Janeiro e em São Paulo. Já foram iniciadas as conversas com a BR Malls, com o grupo Multiplan (responsável pelo shopping Morumbi) e também com o grupo Iguatemi. O shopping Cidade Jardim está fora dos planos da marca por ter um tráfego de consumidores menor do que o de outros shoppings.

A Sephora precisou contratar funcionárias brasileiras para dar conta da empolgação das compradoras brasileiras que vão às lojas de Paris. "Precisamos tornar o luxo mais acessível. Dá pena ver que os brasileiros viajam para fora e consomem lá porque os preços são muito melhores", diz o empresário.

Estar no comando da operação brasileira da Sephora é um salto e tanto para Carlos André Montenegro. Afinal de contas, a Sack's tem apenas dez anos de existência. O site vende produtos de cerca de 270 marcas e tem uma carteira de cerca de um milhão de clientes. Mais de metade das vendas do site são para consumidoras que vivem fora das grandes capitais e não viajam para o exterior – a empresa tem tirado proveito do crescente vigor da economia no interior do país.

O plano de Carlos André Montenegro é tornar a operação brasileira de comércio eletrônico da Sephora a terceira maior do mundo, atrás apenas dos mercados dos Estados Unidos e da França. A seguir, a entrevista exclusiva com o empresário sobre o e-commerce em geral e o mercado de cosméticos.

Carlos André Montenegro, da Sack's
Em 2000, quando a Sack’s iniciou as suas atividades, havia cerca de 10 milhões de internautas no Brasil. Hoje, dez anos depois, eles são 67 milhões, mas apenas 23 milhões de pessoas fazem compras pela internet. Quais são os principais entraves ao aumento do comércio eletrônico no país?
O entrave é de natureza cultural. É aquela desconfiança, aquele medo que muitas pessoas, especialmente as mais velhas, têm na hora de colocar os dados do cartão de crédito em um site. Mas nós esperamos que o número de pessoas que compram pela rede aumente mais rapidamente a partir de agora. Grandes grupos varejistas que não estavam na internet até pouco tempo atrás agora estão. O Walmart e as Casas Bahia começaram as suas operações de e-commerce no Brasil em 2009, o Grupo Pão de Açúcar no ano passado. Isso é muito bom. O consumidor que já está acostumado com essas empresas e experimenta uma compra pela internet vai ficar muito mais propenso a comprar outros produtos de outros varejistas também pela rede. Contamos também com os jovens que estão crescendo, naturalmente. Eles já nasceram tendo fácil acesso ao computador, têm contas no MSN, em redes sociais, etc. Quando ganharem o seu primeiro cartão de crédito, aos 16 ou 18 anos, vai ser absolutamente natural para eles comprar pela internet.

As perspectivas de crescimento do e-commerce no Brasil são boas, então? Muito. A internet vai sofrer aqui no Brasil uma expansão muito grande, semelhante à que vimos acontecer na telefonia celular. Ninguém mais vai querer ficar de fora.

As mulheres compram mais pela internet do que os homens? Quais são as principais diferenças entre os dois gêneros na hora de comprar cosméticos? Não. O cenário é bastante equilibrado: os homens representam 52% dos consumidores de e-commerce hoje, e as mulheres, 48%. É claro que no site da Sack's, que trabalha com cosméticos, as mulheres são maioria. Mas num site como o das Lojas Americanas, por exemplo, a divisão é meio a meio. Quanto às diferenças nos hábitos de consumo de cosméticos, observamos que os homens geralmente compram perfumes clássicos, e em frascos maiores. Eles fazem a compra e não vão mais pensar em perfume por um bom tempo. Já as mulheres tendem a comprar mais vezes e frascos menores, pois têm uma necessidade muito maior de experimentar os produtos, de variar. A mulher geralmente quer comprar tudo. Como não cabe no bolso, ela opta pelas embalagens menores.

O mercado brasileiro de cosméticos e perfumaria gira R$ 20 bilhões por ano e não pára de crescer. Este movimento ocorre em todas as classes sócio-econômicas? O que quer a nova consumidora da classe C? Sim, este crescimento se dá em todas as classes. A nova consumidora quer sempre mais. Antes ela podia comprar apenas batons de R$ 15 da Avon. Depois ela passou a poder comprar produtos da Natura ou do Boticário. E agora ela está em um momento em que pode, de repente, comprar o J'Adore [perfume da grife Dior] no site da Sack's em dez vezes. As sessões das revistas femininas e de moda que falam de cosméticos seduzem muito, e esta consumidora não escapa disso. Se a prestação de um produto mais caro e muito desejado couber no seu bolso, ela não terá dúvida: vai querer comprar.

A brasileira tem alguma preferência diferente das que são observadas em outros países, quando se trata de produtos de beleza? As preferências variam bastante de país para país. A mulher mexicana, por exemplo, usa muita maquiagem. As americanas, por sua vez, compram muitos cremes faciais. Já a brasileira é conhecida por ser muito vaidosa e por gostar especialmente de cremes e produtos para o corpo. Até por causa do clima tropical, o culto ao corpo é muito grande por aqui. Outro mercado que vem crescendo muito é o de produtos capilares. A brasileira adora cuidar dos cabelos. Basta olhar a quantidade de salões de beleza que existem nas ruas das nossas cidades.

O acesso a sites de lojas e de vendedores individuais é muito simples e, apesar de algumas vezes a demora para receber um produto ser grande, o consumidor encontra barganhas vantajosas. A Sack’s sofre com este tipo de concorrência? Esta concorrência afeta sim o nosso negócio. Primeiro porque estes indivíduos ou empresas muitas vezes importam o produto ilegalmente, sem pagar os impostos todos que incidem sobre a cadeia - e que fazem com que o preço dos cosméticos importados não seja, de fato, pequeno. Segundo porque não é raro que o consumidor compre produtos dessas pessoas e nunca os receba. Nós mesmos, na Sack's, fazemos denúncias através do nosso departamento jurídico, que atua junto com as grifes que vendemos. Já aconteceu de comprarmos um produto em um desses sites para rastrearmos a sua origem e não o recebermos. O domínio do site inclusive desapareceu. Isso é muito ruim para as vendas online. O e-commerce não é perigoso se a empresa é séria. Mas estas empresas acabam assustando os consumidores vítimas de golpes assim. Muitos deles passam a achar que vão correr este tipo de perigo em qualquer compra online.

O Brasil é hoje a bola da vez: são várias as marcas e grifes que têm desembarcado no país pela primeira vez com operações próprias. Este fenômeno é parte de estratégias de longo prazo ou um reflexo das quedas nas vendas observadas nos mercados europeu e norte-americano? Este último fator existe e é importante, sim. A Espanha e a Grécia ainda estão sofrendo bastante com a crise, enquanto o Brasil foi o último a entrar e o primeiro a sair dela. Mas a ascensão do mercado brasileiro é de fato muito forte e veio para ficar. Nos Estados Unidos, em Paris, há muitos brasileiros comprando - e comprando bastante. A nossa população com poder de consumo soma hoje cerca de 100 milhões de pessoas. Não dá mais para ficar de fora deste mercado, e as empresas estrangeiras já perceberam isso.

Foto: Leo Martins